3.9.14

O Cheiro do Ralo (2006)



Origem: Brasil
Direção: Heitor Dhalia
Roteiro: Heitor Dhalia, Marçal Aquino, Lourenço Mutarelli (livro)
Com: Selton Mello, Paula Braun, Silvia Lourenço, Martha Meola, Lourenço Mutarelli, Alice Braga

Geralmente classificado como comédia, este filme me cheira muito mais a drama psicológico, capaz de gerar muito mais angústias do que risos.

Talvez o gênero comédia tenha “pegado”, em função do objeto-fetiche da história ser uma bunda. Sim, porque tudo começa com uma paixão avassaladora por uma bunda...

Baseado no primeiro romance do quadrinhista Lourenço Mutarelli – que, aliás, também atua no filme – O Cheiro do Ralo conta a história de Lourenço (espetacularmente interpretado por Selton Mello), um homem simples, morador do subúrbio de alguma cidade grande, que vive de comprar e vender objetos velhos. Lourenço é obcecado pelo mau cheiro que exala do banheiro de seu escritório, justificando-se a cada cliente que entra. Ele quer deixar bem claro que aquele cheiro não vem dele, não o pertence. Será?

Acontece que à medida que a trama vai se desenvolvendo, o rapaz vai ficando mais e mais obcecado pelo cheiro, atribuindo-lhe a culpa por seu comportamento cada vez mais estranho, por seu desapego, sua falta de afetividade. Lourenço vai, assim, mostrando-nos suas manias, suas neuroses, suas loucuras, como se aquele cheiro fosse se impregnando em seu corpo e em seu caráter. Ele inicia, então, um jogo de negociação perverso com seus clientes,  os humilha, os diminui, os desorienta. Ele é cruel. Sente-se poderoso, dono da verdade, melhor do que todos. Ele tem dinheiro. Só não percebe que tudo que construiu está indo pro ralo!

Mas, por trás de toda essa crueldade, percebemos um homem solitário, perdido e extremamente carente. Pouco a pouco o filme vai nos dando pistas para entendermos melhor sua história. As coisas vão fazendo mais sentido, mas nem por isso tornam-se menos cruéis.

A trama de O Cheiro do Ralo - meio non-sense, meio alegórica - é atemporal, não estando presa tampouco a nenhum lugar específico. Pode acontecer a qualquer um, em qualquer lugar, em qualquer tempo, já que diz respeito à natureza humana que, às vezes, por razões desconhecidas, assume comportamentos bizarros e incompreensíveis.

Produzido com um orçamento ínfimo, a estética do filme é bem interessante. O figurino e o cenário são extremamente kitsch, com predominância das cores marrom, verde e suas variações de tons. Tudo é meio escuro, sombrio, sujo. A exceção fica por conta das cores presentes no universo da lanchonete em que trabalha a dona da bunda de que falei no início - uma loura de nome impronunciável e que vai se tornar uma das obsessões de Lourenço. Com suas saias curtas ou calças apertadas, ela está sempre vestida de cores alegres, às vezes de tons pastéis ou florais, um contraste que funciona como uma espécie de oásis na vida sombria daquele homem cheirando a esgoto.

Com bom ritmo, ricos diálogos e belas cenas, O Cheiro do Ralo é um ótimo filme, que explora com ironia a natureza ao mesmo tempo frágil e perversa do ser humano.

Vale conferir!

Por Lilia Lustosa





20.2.14

Minha mãe é uma peça: o filme (2013)




Origem: Brasil
Diretor: André Pellenz
Roteiro: Paulo Gustavo, Fil Braz
Com: Paulo Gustavo, Herson Capri, Ingrid Guimarães, Rodrigo Pandolfo, Mariana Xavier, Sueli Franco

Para quem gosta de comédias despretensiosas, aí vai uma boa dica!

Minha mãe é uma peça: o filme é baseado na peça de mesmo nome, escrita e estrelada por Paulo Gustavo que, aliás, interpreta também a protagonista da história nas telas do cinema. Isso mesmo, ele é o ator que encarna D. Hermínia, a mãe (de bobs) da trama.

A história se passa em Niterói, Rio de Janeiro, e apresenta-nos uma família de classe média brasileira, com os problemas típicos da nossa sociedade pós-moderna. Casal separado com filhos adolescentes, pai que refaz a vida com moça bem mais jovem, interessada sobretudo em seu dinheiro, filha obesa, filho gay, mãe que finge não saber da escolha do filho, etc.  Um cardápio, sem dúvida, cheio de clichês, mas que pode proporcionar boas gargalhadas e ainda fazer-nos pensar um pouquinho sobre como temos lidado com os problemas de nossos filhos, de nossos pais ou com os nossos próprios.

As mães de filhos adolescentes certamente vão se identificar com muitas das situações apresentadas, sobretudo com aquela sensação de estar sempre se doando, sempre fazendo de tudo pelos filhos, sem sentir deles o reconhecimento que acham que merecem. Reclamam, reclamam, mas não conseguem fazer diferente. Não conseguem deixar de mimá-los até o último fio de cabelo! E depois, sentem-se frustradas por tudo que fizeram e, principalmente, pelo que deixaram de fazer.

Com um humor escrachado, diálogos compostos por pelo menos um palavrão a cada frase, cenário e figurino pra lá de cafona e, ainda, músicas super bregas no repertório, Minha mãe é uma peça: o filme traz à tona questões sérias de nosso mundo globalizado. Além da obesidade e homossexualidade, já mencionadas, há ainda a questão do álcool e das drogas, do dirigir embriagado, dos riscos que correm os jovens nas baladas por aí afora. Sem falar no problema da situação financeira difícil enfrentada pela classe média brasileira, ou no do pouco valor dado aos estudos, assunto esse levantado na sequência da boate.


Enfim, um filme que, apesar de travestido de piada, revela com consciência uma sociedade desequilibrada, que carece de mudanças, mas que ainda prefere “rir para não chorar”. Aliás, bem no começo, a narração que introduz os personagens e o local da trama, apresentando Niterói como a Cidade-Sorriso, já nos oferece uma pista sobre a verve irônica e crítica da história que será apresentada. Tudo isso, sem deixar de presentear-nos com lindos planos de “Niquíti”.


Lilia Lustosa